sábado, setembro 20, 2008
O que o senado tem de melhor
“Quando a velhice chegar,
aceita-a, ama-a. Ela é abundante em prazeres sesouberes amá-la. Os anos que vão gradualmente declinando estão entre os mais doces da vida de um homem. Mesmo quando tenhas alcançado o limite extremo dos anos, estes ainda reservam prazeres.”
A frase de Séneca foi a última a preencher as impressões que absorvi durante a produção deste texto, e não menos reveladora. Acredito, agora, que o segredo para a boa velhice está no contato físico e em tudo o que isso implica. Explico.
A curiosidade bateu na primeira vez que passei por aquela esquina e a música antiga, das serestas que meu avô ouvia – Orlando Silva, Francisco Alves, Nelson Gonçalves – tocava, ao vivo! Parei para entender.
O lugar estava lotado. Muitos, como eu, ficavam ali somente para observar. Acomodei-me na beirada de um canteiro onde tinha uma vista privilegiada para o espaço à frente da banda Raízes da Terra, que embala o povo mais animado com seus forrós, sambas-canções, boleros, chorinhos... Para chegar até a área de dança é preciso subir a rampa que tem em seu final uma placa com os dizeres: “Tribuna popular e democrática. Quando o povo fala, ou foi, ou é, ou será”.
Bem verdade que lá se fala, e muito. Do político que irritou vários com o discurso de hoje na Assembléia Legislativa do Acre; do que estão tratando na Câmara dos Vereadores; daquele camarada que diz ter matado meia dúzia na juventude e agora está dançando com a mais cobiçada, e quem tem coragem de tirar a dama do tal mentiroso? Mas o que fazem mesmo por lá, nas manhãs de quartas e sextas-feiras, é dançar.
Assim é o Senadinho. Um pequeno espaço separado para os idosos que gostam de dar seus passos cadenciados e desfilar preciosas lembranças enquanto os mais jovens trabalham. De tão alegres, contagiam. Eu observo como são econômicos com certas coisas que eu não seria: aproximam-se com passadas muito pequenas, os gestos e o modo de mover a cabeça também são diminutos, falam sem pressa, esperam a música começar enquanto conversam com largos sorrisos. Parece que para eles é o melhor do dia.
Em dois minutos, eu já estava inquieta.
--A moça está bem? A pergunta veio de um senhor simpático de uns 70, acho. Não notei que balançava a perna insistentemente.
-- Estou. A que horas começam a tocar?
-- Depende de quem vem pra dançar. Dança comigo? Tá precisando dançar pra acalmar as pernas.
-- Desculpe, só vim pra olhar mesmo. E eu não danço.
-- Ih, não namora, também, né?
-- Como?
-- Mulher que não sabe dançar demora pra namorar, moça. Os homens num olham...
A velhice deve trazer, sim, alguma sabedoria, pensei.
-- Tá bom, quando a música começar eu danço com o senhor. Conhece o Panelada?
-- Ele acabou de passar, mas é o que dança mais ruim aqui! Só vem por causa das mulheres.
O Sr. Sandoval Vasconcelos, o velho galante, parecia enciumado. Eu procurava o Panelada porque é personagem do pequeno documentário que disponibilizei Overmundo. Wander Silva, aluno do Curso de Cinema da Usina de Artes e um dos responsáveis pelo curta, conta que trabalhava em outro documentário quando esteve no Senadinho para pedir informações e descobriu ali um excelente tema. Conversou duas vezes com Panelada e decidiu que seria ele.
Nordestino, aventureiro, dono de algumas frases dignas de serem roubadas, Panelada é figura cativa no Senadinho. Dizem que fica furioso quando tentam atrapalhar as horas de lazer com campanhas ou movimentos trabalhistas por ali. Conhece o momento exato de tirar a dama para dançar: Quando ela começa a mexer o pé! Diz isso o tempo todo, alguém tem que aprender... Não é o que a Sra. Áurea Rabelo, 63, acha. "Chego aqui com vontade de dançar e eu mesma chamo quem eu acho que vai me levar direito. Se balanço o pé sozinha, é porque não encontrei ninguém ainda. Mas se me tiram pra dançar, eu não rejeito. Não se faz uma desfeita dessas."
Há oito anos, a Fundação Estadual de Cultura começou a pagar uma banda para divertir os idosos que faziam dali um lugar de reencontro com o passado. Além de comentarem as fofocas da cidade, relembravam também os antigos “assaltos”, festas preparadas para surpreenderem os amigos no dia de seus aniversários. Nessas festas, geralmente ao ar livre, tiravam senhoras e meninas para dançar até terem coragem de convidar as moças. Muitos romances nasceram assim.
Enquanto ouço suas lembranças, quase consigo cantar “Pedacinho do céu”, “Eu sonhei que tu estavas tão linda”, “Carinhoso”. Mas eles não admitem que a saudade do que passou supere o que vivem hoje. E assim volto a falar da falta de pressa. Do momento em que chegam até a música começar leva um bom tempo; dos passos sozinhos até dançarem acompanhados foram longos minutos de conversa, dos sorrisos lagos aos intervalos para os comentários sobre parlamentares que também matam ali a vontade de dançar (seria só isso?) pode-se creditar vários encontros.
Coisas assim, pequeninas.
Alunos de uma universidade distribuem uma camisa branca da campanha de violência contra idosos. Dessa vez, Panelada não se aborreceu. “Você será um idoso um dia”, era mais ou menos o que vinha escrito. A maioria vestiu com boa vontade e continuou o que estava fazendo. Nos rostos dos jovens senhores do Senadinho há marcas do tempo, mas não há cansaço. Eles se cumprimentam e continuam a conversa de onde pararam, abraçam seus pares e dançam sem conversar, trocam a música, muda o dia, sempre som seus passinhos pequenos e fala lenta que fazem as duas horas de encontro parecerem quatro muito bem aproveitadas.
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6 comentários:
Duas vezes por semana tenho o prazer de ouvir essa boa música (mesmo que de longe).
E dá uma vontade danada de dançar...
lindo texto ;)
emocionante..
gostei da iniciativa da Sra. Rabelo... "Chego aqui com vontade de dançar e eu mesma chamo quem eu acho que vai me levar direito"...êta mulher decidida!
Texto bacana. Gostei muito. Parabéns Fabiana Mesquita.
Deda fez muito bem em "terceirizar" o blog.
Parabéns meninas!
muito legal o texto!
agora que notei que é da Fabiana. Temos colaboradoras no blog? Que chic!
bjos pra vcs!
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