Passei dois dias observando o
fenômeno "Bela, recatada e do lar" e só agora resolvi rascunhar algo.
Pra começo de conversa, fui na contramão da lógica: li e vi vários
comentários, memes, imagens, depoimentos e artigos de opinião para, só então,
ler a matéria que deu origem a tudo isso. Tinha passado o olho nela logo cedo, mas não
havia parado para ler e pensar sozinha.
Minha timeline do Facebook foi dividida entre
"belas, recatadas, do lar, porque não?" e "belas, recatadas, do lar SÓ QUE
NÃO" e o que vou escrever a seguir reflete apenas minha observação pessoal
do assunto, sem nenhuma pretensão de servir de explicação do episódio ou
julgamento de opiniões. Nada imperativo.
Apenas uma análise baseada em
tudo o que está em mim. Minha criação, visão de mundo, ideologias, minhas referências
pessoais, artísticas e de formação profissional. A gente pode até não se dar
conta, mas quando emitimos uma opinião, por mais ingênua que pareça, está intrínseca nela toda a nossa carga (o que justifica muuuita coisa).
Assim que li o título, pensei
"Poxa, temos aí um problema". Não um "problemão", um
"probleminha" ou "estão exagerando". Simplesmente
identifiquei como um assunto que sim, precisaria ser conversado.
É claro que as coisas nas redes
sociais tomam grandes proporções rapidamente, mas o debate é, quase sempre,
raso e temporário (em dois dias não se falará mais disso).
Achei que temos um problema
porque causou incômodo, logo, é algo que precisamos dar atenção. Entretanto, em
diversos artigos e opiniões que li, o assunto foi mimimizado e minimizado a
pequenos rótulos, como "feministas", "feminazi" e
"mais uma polêmica boba das redes sociais".
A matéria em si, confesso que, para
mim, teve mais um cunho político que de gênero, mas é inegável que, em pleno 2016, uma revista com o
peso da Veja (no sentido de alcance mesmo), reproduzir um título tão
adjetivista me pareceu até pegadinha.
Há quem não veja problema nenhum
nisso. Afinal, "é só uma revista". Eu vejo como um retrocesso. Não vi
ali apenas o cotidiano de uma mulher que resolveu se dedicar à família, mas algo
colocado como um modelo de vitrine, de "mulher de verdade" (como li
em algum lugar). "Olhem essa mulher perfeita. Que homem de sorte!". E aí, quem tiver fora dessa, miga, que aguente as consequências.
Com relação ao perfil de Marcela
Temer. Não, eu não vejo problema algum em a moça escolher ser recatada e do
lar, porque bela ela é mesmo. Não vejo nenhum problema, porque não há problema
em ser padrão. Esse é o modelo para o qual fomos criadas e eu não preciso ser
feminista, feminazi, de esquerda ou do sovaco peludo pra pensar assim. Eu só
preciso ser uma mulher que tem um pensamento diferente de você. E, veja bem, é
assim que o mundo gira.
Essas mesmas diferentes
interpretações foram as responsáveis
pelo caldo engrossar de tal maneira que, no fim, já não se sabia direito qual
era discussão. De um lado, as que não viam problema em ter os tais adjetivos,
questionando as que "viam" tal problema e, do outro lado, as demais tentando
explicar que "o problema não era a moça ter escolhido tal estilo de vida,
e sim a postura da revista e a forma como o assunto foi colocado".
Pra mim, o problema sempre foi
ser diferente e é isso que se vem tentando mostrar a cada dia. O filme Histórias
Cruzadas (2011) retrata um pouco disso. Além do tema central ser a luta das
empregadas negras nos EUA em 1960, o enredo mostra o visível preconceito que Skeeter
Phelan (Emma Stone) sofre pelas amigas. Ela, recém-formada, retorna à cidade
disposta a ter um estilo de vida diferente da tradição sulista. Não quer casar
e ter filhos, mas seguir a carreira de jornalista. E isso é visto como uma
afronta e não como uma escolha diferente. E essa, pra mim, sempre foi e será a
luta.
*Um texto cheio de repetições, porque
não achei sinônimos suficientes para "problema". Que problemão!